Comprei um aparelho mp4 e estava todo
orgulhoso. As entrevistas agora teriam mais qualidade de som. Poderia caminhar
ouvindo música. As corridas vespertinas ao redor do Açude Velho passariam a ser
mais estimulantes. Sempre quis ter um walkman, na infância e um CD player na
adolescência. Não foi possível. Para a atual geração, pode parecer algo que, de tão
fácil, torna-se difícil de entender como isto poderia ser o sonho de alguém
anos atrás. Gravar e se ouvir depois, era algo mágico na década de 1980. Meu pai
fazia sucesso em Patos, nas viagens de férias, com o seu equipamento nada portátil. Antes de entrar na universidade,
ainda considerado "fera 2000 " no Estadual da Prata , meu irmão já estudante de
jornalismo, me emprestou um gravador de fita cassete. Foi o prenúncio de que eu
estava escolhendo o curso errado e o curso do rio acadêmico iria ser corrigido
quase uma década depois.
O aparelho pretinho e pequeno
era o meu xodó. Muitos anônimos e famosos foram entrevistados. Época de
aprendizado, de emissoras, programas, colegas, amigos. Em 2011, o São Paulo
venceu o Treze no Amigão, pela Copa do Brasil por 3x0. Na chegada do Tricolor,
apareceu Marcelinho Paraíba. Ali mesmo no portão que dá acesso aos vestiários,
aconteceu uma espécie de minientrevista coletiva. Aproveitei para perguntar se
o jogador poderia encerrar a carreira no Campinense, clube que o revelou para o
futebol mundial em 1991. Naquele instante, fazia exatamente 20 anos do seu pontapé inicial. Ele falou que gostaria
muito, mas que não dependia somente de si. Na época, o atleta ainda era um
menino de 36 anos. Tinha muito gás para queimar e certamente rodou até o
marcador de gasolina começar a piscar, na reserva, sempre entre os titulares.
No domingo, 15 de março
de 2020, Marcelo dos Santos encerrou a carreira, pela modesta Perilima da Paraíba. Por aqui também
fez história no Treze, com o acesso à Série C. Apesar de não ter voltado a vestir
a camisa que o apresentou aos gramados, terminou no lugar em que começou: no
Ernani Sátyro, onde o seu pai foi o primeiro a balançar as redes de um estádio místico,
que assim como Marcelinho é de 1975. Ambos têm justamente a mesma idade. O
jogador que, já brilhou vestindo a camisa de grandes times do Brasil, como: Grêmio, São Paulo, Flamengo, Coritiba, Sport, é idolatrado na Alemanha, pelos
cinco anos em que defendeu as cores do Hertha Berlin. Lá, sim, ele recebeu uma
justa homenagem, com estádio lotado - mais de 25 mil pessoas gritando o seu nome.
Como o ditado alerta sobre santo de casa,
em Campina Grande, um estádio praticamente vazio, foi testemunha do seu último
ato dentro de campo. Assim como o velho Mp4, o inesquecível MP10, será
substituído, mas sempre fará falta com a maestria de sempre. Resta saber quais foram as maiores decepções dessa carreira vitoriosa: a não convocação por Felipão,
para a Copa de 2002, em um de seus melhores momentos, ou a falta de entusiasmo
e reconhecimento dos torcedores, dirigentes e desportistas locais, em sua despedida. A não ser
que tudo tenha acontecido para evitar aglomerações e não propagar o vírus da
ingratidão. Quanto ao meu aparelho de gravações, num domingo à tarde, depois do
almoço, mergulhou involuntariamente num copo de Pepsi e para sempre se calou.
Comentários