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Alguns de seus membros estão deixando de lado o trabalho que lhes cabe para se ocuparem primordialmente de uma causa política, a demonstração de que todas as instituições, exceto o Ministério Público, estão podres
O Estado de S.Paulo
24 Maio 2017 | 03h07
24 Maio 2017 | 03h07
São um insulto aos
brasileiros de bem e um escárnio da Justiça os termos da colaboração
premiada assinada entre o sr. Joesley Mendonça Batista e a
Procuradoria-Geral da República (PGR), já que acintosa e
escandalosamente benéficos ao delator. Depois de ter praticado graves e
inúmeros crimes, o sr. Joesley recebeu tão somente uma multa de R$ 110
milhões, que, diante do seu patrimônio, é irrisória.
Atônito ficou o País ao saber que o Ministério Público (MP) se
comprometeu a não oferecer denúncia contra o sr. Joesley em relação a
qualquer dos crimes delatados, em frontal desobediência à lei, que veda
esse tipo de benefício aos que são líderes de uma organização criminosa
(Lei 12.850/2013, art. 4.º, § 4.º, I). Não era necessária especial
sagacidade à Procuradoria para atinar que o sr. Joesley era, de fato e
de direito, o líder da organização criminosa. Nos vídeos gravados pela
PGR, a fala do sr. Joesley é explícita a respeito de quem tinha a voz de
comando na operação, definindo o que fazer e o que não fazer.
Ainda mais grave que a colaboração premiada foi a reação do
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, diante dos questionamentos
a respeito da lisura e da conveniência de uma delação tão benéfica a um
criminoso da laia do sr. Joesley. Evidencia que o País tem hoje um
procurador-geral da República desnorteado, que parece desconhecer o seu
papel e a sua responsabilidade.
Em artigo publicado no portal UOL, Janot reclama que “o foco do
debate foi surpreendentemente deturpado. Da questão central – o estado
de putrefação de nosso sistema de representação política – foi a
sociedade conduzida para ponto secundário do problema – os benefícios
concedidos aos colaboradores”. Ora, o debate não foi deturpado. É
plenamente legítimo que a sociedade questione a razão para se conceder
um ilegal benefício ao sr. Joesley. O procurador-geral, no entanto, não
está disposto a debater essa questão, e prefere simplesmente reafirmar
sua querida tese: “O estado de putrefação de nosso sistema de
representação política”.
Eis aí uma deficiência séria que se observa na atuação do
Ministério Público. Alguns de seus membros estão deixando de lado o
trabalho que lhes cabe – a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, como
diz a Constituição – para se ocuparem primordialmente de uma causa
política, a demonstração de que todas as instituições, exceto o
Ministério Público, estão podres.
Tal visão das coisas não encontra respaldo nos fatos. O sr.
Joesley garantiu que não comprava apenas políticos, mas também
procurador. Ou seja, o MP não é incorruptível e exige, como qualquer
instância pública, controle e acompanhamento.
Com toda essa história, ficou claro que o sr. Joesley conseguiu
engambelar perfeitamente o procurador-geral. “Em abril deste ano, fui
procurado pelos irmãos Batista”, narra Rodrigo Janot no artigo que
publicou em sua defesa. “Trouxeram eles indícios consistentes de crimes
em andamento – vou repetir: crimes graves em execução –, praticados em
tese por um senador da República e por um deputado federal.” Como se
saberia depois, ele não resistiu aos encantos dos dois irmãos e deu-lhes
remissão da pena em troca das preciosas informações que eles tinham
para contar. Das quais, por sinal, não verificou a veracidade antes de
dar-lhes publicidade.
Melhor seria que o MP não estivesse tão desejoso de receber com
facilidade delações e denúncias, e se dedicasse à investigação
propriamente dita. Trabalhasse da forma como deveria, sem entrar em
choques tão frequentes com a Polícia Federal, o procurador-geral da
República não teria tanta certeza, mencionada no artigo, “de que o
sistema de justiça criminal jamais chegaria a todos esses fatos (narrados pelos irmãos Batista)
pelos caminhos convencionais de investigação”. É perigoso para um País
quando o procurador-geral da República confere mais crédito aos caminhos
não convencionais que aos caminhos convencionais de investigação. Como
se vê, há mais que indícios de que o sr. Janot já não sabe onde se situa
o norte firme da lei e da Constituição. Se excessos ou omissões há de
sua parte, a Constituição prevê caminhos para sua substituição. Afinal,
numa República, sempre deve prevalecer a lei e a ela também se sujeita
aquele que deve guardá-la.
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