Pamela Ronald, que estuda os genes que tornam as plantas mais resistentes a doenças e ao estresse
Folha
- A primeira pergunta não é sobre ciência, mas relações públicas: os
transgênicos ainda encontram resistência?
Pamela Ronald - O consenso
científico mundial é que esses alimentos são seguros. A discussão pública fica
presa em um conceito mal definido. "Organismo geneticamente
modificado" [GMO, na sigla em inglês] quer dizer algo diferente em cada
caso.
Como
assim?
Por exemplo, as plantações de mamão papaia havaiano estavam sofrendo com uma
infecção por vírus. Foi criado um um mamão que continha um fragmento do vírus e
que resiste à infecção.
O arroz dourado produz a vitamina betacaroteno que é a mesma presente em
cenouras. Centenas de milhares de crianças morrem anualmente por complicações
por falta da substância. Esses exemplos são diferentes de grandes produção de
milho. Temos de avaliar caso a caso.
Qual
o papel que grandes produtoras de sementes têm nessa história?
De fato existem poucas companhias que produzem a maior parte da produção
mundial de sementes. Existe uma discussão legítima em torno disso.
Isso é diferente com relação à tecnologia genética por trás da fabricação.
Muito dela foi descoberta em domínio público. O mamão papaia havaiano foi feito
em domínio público. O arroz dourado também.
É importante lembrar que essas companhias são muito menores que Google e Apple.
Existe uma rede americana de lojas [especializadas em produtos orgânicos]
chamada Whole Foods que é maior do que a Monsanto e que está distribuindo
informação sobre segurança alimentar.
A gente não deve ir às empresas em busca de informação e sim recorrer às
maiores organizações científicas, como a Academia Nacional de Ciências [dos EUA].
E a verdade é que todas as maiores associações científicas do mundo concluíram
que todas as plantas modificadas no mercado são seguras para se comer. Além
disso, algumas sementes reduziram drasticamente o uso de pesticidas.
Falando
em Whole Foods, a senhora é casada com um fazendeiro que planta produtos
orgânicos. Existe algum conflito?
Meu marido e eu temos o mesmo objetivo: alimentar a população crescente sem
destruir ainda mais o ambiente. Fazendeiros orgânicos usam todo tipo de
técnica, exceto engenharia genética.
Por
que só a ela não é permitida? Qual a razão para não cruzar essa barreira?
Quando meu marido começou a plantar orgânicos, há 35 anos, não havia engenharia
genética na área da agricultura, só na medicina. Até onde sei ninguém reclama
dos medicamentos feitos com engenharia genética.
O fato de ser diferente na agricultura não tem lógica. É um medo antigo.
Naquele tempo era compreensível, era uma tecnologia nova. Agora, é só
marketing, na minha opinião, uma tentativa de fazer com que as pessoas comprem
mais orgânicos.
Existe
alguma vantagem da agricultura orgânica?
Eu vivo no Vale Central da Califórnia, uma área bastante produtiva. Nós temos
um solo bom e um tempo seco. Nós temos pestes e doenças, mas não tantas como no
Brasil. Meu marido produz diferentes variedades que não têm pestes ou doenças.
Tem muitas abordagens ecológicas que são feitas e que poderiam ser aproveitadas
em larga escala.
Os fazendeiros minimizam a vulnerabilidade da plantação a epidemias fazendo
rotação de culturas e aplicando compostos no solo. Tem várias coisas boas e
essas práticas podem ser aplicadas em qualquer fazenda –é uma questão de
adaptação. Alguns fazendeiros "tradicionais" já alternam as culturas.
A
senhora poderia falar de política e dos lobbies?
Nós vemos que os fazendeiros querem plantar essas sementes. Pense no milho. São
20 anos de observação no Brasil e nos EUA. Esse milho fez com que fosse
reduzida a aplicação de produtos químicos em dez vezes.
O que falta na discussão são os fazendeiros. Pergunte para ele por que ele está
usando aquele milho. Ele é melhor que um político, um cientista ou um ativista.
É curioso como, nos EUA, os republicanos ignoram a ciência do aquecimento
global, enquanto os democratas ignoram a ciência da engenharia genética.
Os consumidores estão clamando por um milho não modificado porque eles acham
que é mais saudável. É a lei da oferta e da procura. O fazendeiro pode produzir
aquilo, mas será 50% mais caro e ele terá de usar pesticidas mais velhos e mais
tóxicos.
No
Brasil mais de 80% do milho é modificado. Os fazendeiros parecem ter uma clara
preferência por essas sementes.
Meu marido odeia essa ideia de que fazendeiros são ignorantes, de que eles
podem ser enrolados. Eles escolhem o que querem plantar. Eu acho que é um
problema se a população urbana começar a ditar o que os fazendeiros têm de
fazer.
Uma
questão sobre os transgênicos é o glifosato [herbicida vendido pela Monsanto
para ser usado em transgênicos].
Parece que o glifosato foi ótimo para a imagem dos orgânicos e péssimo para os
organismos modificados. Muitas pessoas quando ouvem falar de GMOs elas pensam
em glifosato. Mas o glifosato é menos tóxico que sal de cozinha. Se você olhar
a dose letal, a dose de glifosato seria altíssima. Ele ajuda muito a controlar
as ervas-daninhas.
A
OMS diz que o glifosato é possível causador de câncer.
Há muitos na lista, como café ou carne vermelha. Ele não causa câncer –é um
possível ou provável carcinógeno, mas como meu pai diz, "tudo em
moderação". Você não vai lá e bebe glifosato. Não faz sentido. A OMS não
tem nenhum dado novo. Não se fala da dose. É algo um pouco confuso. Supondo que
ele fosse banido, os possíveis substitutos são ainda mais tóxicos.
Como
surgiu o arroz tolerante à inundação?
Existia uma variedade antiga bastante tolerante a inundações, mas a
produtividade era baixa e o gosto não é tão bom. Uma técnica nova (marker
assisted breeding, cruzamento auxiliado por marcador, em tradução livre), foi
usada para inserir essa característica, com sucesso. A produtividade aumentou
mais de três vezes. Isso serve de exemplo de quão dramático e importante pode
ser a melhoria genética.
Com as mudanças climáticas, cada vez será mais importante ter plantas que
resistam ao calor, à inundação, ao frio e à seca. Temos de estar abertos a
qualquer técnica ou combinação de técnicas que possam ajudar.
Parece
que a questão climática é muito negligenciada.
Sim. A agricultura é responsável pela emissão de 30% dos gases-estufa.
Precisamos aumentar a produtividade mas principalmente reduzir emissões de plantadeiras
e outras máquinas, mas há poucas alternativas disponíveis.
Você
é a favor de colocar no rótulo o fato de um produto ser geneticamente
modificado ou o de herbicidas ou pesticidas terem sido usados?
Eu gosto da ideia de apontar o uso de herbicida. Isso é informativo. O
consumidor pode decidir não comprar e reclamar aos órgãos competentes se achar
que tem algo errado.
Já colocar que foi geneticamente modificado é perda de tempo –isso não traz
informação. Como você rotularia o mamão havaiano, sendo que o orgânico tem dez
vezes mais vírus? O que isso quer dizer? Ou ainda se você coloca que algo
"não é modificado" tem de lembrar que esses fazendeiros podem usar
mais pesticidas.
Faz mais sentido constar exatamente o que foi aplicado e quanto de água e de
terra foi usado. Tem de haver uma saturação de informações precisas.
O fato de termos usado melhoramento genético por mais de dois mil anos ainda
não é totalmente compreendido
De
onde vem o dinheiro para suas pesquisas?
Meus financiamentos nos últimos vinte anos vieram quase exclusivamente de
institutos de pesquisa do governo americano. Há 20 anos, tive um da Monsanto.
As pessoas pensam que todos os cientistas da área são financiados pela
Monsanto, mas eu fiz uma pesquisa e menos de 0,1% do dinheiro dos meus colegas
da área vem dela.
A
senhora já chegou a ser ameaçada por ativistas?
Infelizmente já recebi ameaças agressivas. Eu acho triste um cientista sair do
laboratório para comunicar ao público o consenso de uma área e então se tornar
uma vítima de ataques.
RAIO-X
Idade
54 anos
Especialidade
Patologia e genética de plantas
Trajetória
Concluiu seu doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley em 1990
Hoje é professora da Universidade da Califórnia em Davis e dirige o Instituto
pelo Conhecimento em Alimentação e Agricultura da universidade
RICARDO MIOTO
EDITOR-ADJUNTO DE COTIDIANO
GABRIEL ALVES
DE SÃO PAULO
EDITOR-ADJUNTO DE COTIDIANO
GABRIEL ALVES
DE SÃO PAULO
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2015/12/1717132-vantagens-da-comida-organica-sao-marketing-diz-geneticista.shtml
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