Já passava das dez da noite. Talvez dez e meia. O
programa havia acabado e o carro do lixo tinha feito a coleta na rua escura. Naquele dia, o locutor
convidara um sanfoneiro jovem e talentoso que não mediu esforços para se fazer
presente. A rádio ficava localizada num bairro um pouco afastado do centro da
cidade e a escuridão do sábado à noite, trazia consigo a incerteza da
manutenção da integridade física de todos, inclusive o convidado com o seu caro
instrumento musical. Um táxi! Esta seria a solução mais plausível. Por telefone,
o radialista pede e a ajuda está a caminho.
O relógio acusava 23 horas. Nada de táxi e muito
menos, ônibus. O empreendedor individual, humilde mandatário do programa,
sacrificou a carona na motoca do colega radialista, para seguir em comboio para
o centro, a fim de que o jovem sanfoneiro não tivesse de cantar a música do
mestre Luiz Gonzaga, com saudade do instrumento. Então, no clímax da história,
aparece o ônibus. Os artistas logo se animam e correm em direção à parada. A ponto de os calcanhares tocarem nos glúteos. O
Locutor pensa em aderir ao novo projeto de resgate e desistir do meio de
transporte mais refinado. Quando ele dá um passo para frente, eis que surge na
esquina o táxi. E agora?
- Ei, bando de asilados. Vamos de táxi!
- O quê?
- De táxi, cambada.
- Vamos de ônibus mesmo.
- Bora, matutada... Bando de lisos... Infeliz
das costas ocas... Triste da pancada do sino...
Sem ter como argumentar a ocorrência de um
trote, para o taxista, o bom samaritano teve de voltar com o chofer e bancar
toda a despesa, porque o jovem sanfoneiro e mais dois amigos preferiram
arriscar e pegar o último ônibus da noite, com cara de “me assalte” e a sanfona
a tiracolo. Tudo para não rachar um mísero táxi.
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