- O futebol é o
esporte das multidões, que une as pessoas na busca por um objetivo em comum. Amor , paixão,
fanatismo e histeria, emoção à flor da pele. A Copa do Mundo é um exemplo
clássico de amor à Pátria: Pátria de chuteiras. Como todo, ou quase todos os
brasileiros, eu também sonhei ser um jogador de futebol profissional. E até que
jogava bem. Só que não o bastante para ser profissional. Ou, talvez, não tenha
havido de minha parte um interesse e perseverança maiores para a realização
deste sonho. Nos gramados da vida, brilhei. Nos colégios e em alguns times
amadores, deixei minha contribuição ao esporte bretão, mesmo não chegando ao
ápice: o futebol profissional.
- Você roubou ou
não?
- Era uma tarde
ensolarada como a de hoje, senhor Delegado Thomas. Fomos ao vestiário trocar de
roupa e por o uniforme de nossa equipe para entrarmos em campo. O jogo foi duro,
brigado, catimbado, mas no final, conseguimos vencer.
- Seja objetivo
Escobar, não tenho o dia inteiro.
- Claro. Eu sei
que às vezes exagero nos detalhes. Mas a vida é feita de detalhes. Para que as
coisas sejam mais facilmente entendidas é preciso um pouco mais de informações.
Mas, voltando ao nosso relato, digo que quando regressamos ao vestiário, senti
falta de um bem meu. Algo pessoal, que só a mim pertencia e a mais ninguém.
- Será que não
foi algum colega seu de time que pegou, por brincadeira?
Não creio, nem
acredito, porque todos estávamos atuando ao mesmo tempo. Deve ter sido alguém
que estava assistindo ao jogo, mas não tenho certeza.
- Tem certeza
que não tem certeza, Escobar?
- Sim. Depois
disto, fui obrigado a fazer justiça com as minhas próprias mãos. E o que pode
me incriminar é que foi pelas costas, à traição, sem dar à vítima, chance de
reação.
- Abra o jogo,
meu caro.
- Ladrão que
rouba ladrão, tem cem anos de perdão, já disse o jargão. E quando se recupera
algo que lhe pertence, não pode ser considerado ladrão. Pode doutor?
- Depende.
- Vou descrever
o que aconteceu. O cara roubou meu par de sandálias novinhos em folha. Fui para casa
calçado com as minhas chuteiras. No outro dia, no mesmo horário, mesmo local,
ele volta à cena do crime com as minhas sandálias. Desta feita ele é quem vai
jogar e eu reconheci que era o meu querido chinelinho novo, sofrendo por estar
longe do papai. Não hesitei e dei o bote. Enquanto ele foi se trocar coloquei
aquilo que me pertencia na minha mochila. Quando terminou o jogo. Percebi que o
cara estava meio atônito, perguntando a um e a outro se alguém dava notícias da
sua sandália. Veio até a mim e perguntou também. Eu disse que não havia visto e
que ele tomasse cuidado, pois havia por aquelas redondezas um baita de um
ladrão cínico e sem vergonha atuando e roubando objetos de pequeno valor.
Portanto, roubei, sim. Mas algo que era meu. Senhor Doutor Delegado.
- Você está
equivocado, Escobar.
- As sandálias
não eram suas. Pareciam, no entanto não eram.
- Eu estava lá
no dia em que tudo aconteceu. E posso falar com propriedade sobre o fato,
porque fui eu.
- Fui eu que
subtrai o seu par de chinelos. E planejei tudo para que hoje você estivesse
aqui.
- Poxa vida,
Thomas. Somos amigos de infância e você me apronta uma dessas?
- Acontece que
eu estou sabendo dos seus encontros às escondidas com a minha namorada. Sei de
tudo e queria um pretexto para te intimar e resolver este problema.
- Mas você não
dá a mínima pra ela. A pobre coitada ficou carente e sem contar que tem aquela
história do passado, que você a roubou de mim, lembra? Ladrão que rouba
ladrão...
- Tudo bem. Não
gosto dela e ter me comprometido foi um erro. Mas eu queria te informar que
enquanto você saía com a minha namorada, eu estava saindo com a sua. Portanto
estamos quites. Ladrão que rouba ladrão...
- Tudo bem,
também. Não gosto muito dela. Tem mesmo fato do passado em que a roubei de
você. Deixa estar então. Façamos de conta que nada aconteceu e devolve o meu
chinelo, seu bandido.
- Olha, que prendo
você por desacato.
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