DECEPÇÃO
Ele está decepcionado com a vida.
Sofreu uma desilusão amorosa e agora passa o tempo todo lembrando da doce voz
da amada a dizer palavras tão amargas ao seu coração inocente. Jéfrey. Este é o
seu nome. Ele me procurou para desabafar.
- Eu tinha a melhor das intenções
para com ela, um futuro promissor, família, filhos, mas acho que ela me
interpretou mal. Fazer o quê? Bola para frente! Só porque eu sou um rapaz pobre?
Eu sou pobre, mas sou honrado. Não tenho moto, nem carro, mas possuo amor
sincero, verdadeiro. Aconteceu que nós passamos a conversar constantemente no
ônibus e na faculdade. Ah, na faculdade, após as aulas, ou nos intervalos,
falávamos sobre tudo. Do que ela gostava de fazer, a música predileta, comidas,
a que horas acordava, que esportes curtia, suas ideologias, planos para o
futuro e outras cositas mais.
- Então fui ganhando a confiança
dela. Tábata, o seu nome lindo. Passei a tentar analisar o olhar daquela doce e
meiga criatura, de baixa estatura, olhos verdes, cabelos nem tão longos, nem
tão curtos. Uma versão brasileira de Amy Whinehouse. Fiquei confuso. Não
conseguia interpretar o que havia por trás do seu olhar e de sua voz meiga,
como de uma menina. As conversas foram se sucedendo e o meu dilema aumentando.
Será que ela conversava comigo apenas por educação? Não podia ser ! Foram
muitas vezes em que ficamos a sós na sala a dialogar. Se ela estivesse se
sentindo incomodada ou molestada, teria cortado o mal pela raiz e ido embora.
Mas o que ela fez? Ficou dias e dias a alimentar meu coração carente e
solitário como que desejando ver-me aos seus pés. Seu rosto de menina esconde a
perversidade sadia do romance.
Então interrompi o indivíduo.
- Acho que você foi com muita sede
ao pote. Eu sei que nesta época em que vivemos as coisas estão bem moderninhas,
mas ainda existem as moças de família e talvez ela seja uma delas. Também só
você mesmo para convidar alguém para ir ao cinema. Convida para ir comer algo
no pastel misterioso, ou assistir a um show de Inaldo e Paulo Rubens. Você
ficou entusiasmado porque estava chegando o final do ano, naquele clima de fim
de novela, imaginou Tábata sendo assediada longe dos seus olhos, nas férias e
tentou a cartada final. E a decepção foi tamanha que você passou a ficar
confuso. Não sabia se amava ou se odiava. Por isso dizem que entre o amor e o
ódio há uma linha tênue.
- Não tenho ódio dela, muito pelo
contrário. Só fiquei chateado com a sua frieza e de sua resposta. A convidei
para ir ao cinema e ela disse: não! Eu perguntei por que e ouvi como resposta:
porque não. Naquele instante o meu mundo veio abaixo. Procurei um lugar para
esconder a minha cabeça, tamanha era a minha vergonha. E ela, baixou os olhos de
ressaca, semelhantes aos de Capitu e permaneceu em silêncio. Saí dali e ao
chegar em casa, deitei-me para dormir, mas o sono não veio. Só tive forças para
chorar. Ah, como chorei. Copiosamente, vendo os meus castelos desabarem, como
na música de Tim Maia.
- Após este acontecimento, até me
interessei por outras pessoas, mas nada se compara ao que sinto por aquela
baixinha do cabelo liso. Minha Awy Whinehouse, a qual não troco nem pela Lady
Gaga. Tento controlar minhas emoções, ao cruzar com ela nos corredores da faculdade.
Evito até cumprimentá-la, mas percebo que ainda gosto dela. E como gosto! O que
você me diz, meu canalha amigo?
- Ser veja bem. Você precisa se
abrir com ela. O que aconteceu não foi um fora, propriamente dito. Chegue até
ela e diga que gosta e gostaria de tê-la como namorada. Daí você terá uma
resposta convincente. Se ela disser não, esquece e parte pra outra. O que não
pode é você ficar alimentando uma ilusão. Você ficará aliviado ao saber o que
ela pensa dos seus sentimentos. Sim ou não. E não precisa sair por aí
espalhando aos quatro ventos qual foi a resposta dada por ela. Por isso que as
pessoas sorriem de você. Não se abra para qualquer pessoa.
-Certo, meu amigo. Mas eu sou um
cara infeliz no amor. Parece que esta é a minha sina. Para você ter uma ideia,
ontem eu estava aproveitando alguns minutos de descanso em minha hora de
almoço, em frente à biblioteca. Eu nem estava tão bonito, nem bem vestido, mas
percebi que chamei a atenção de uma menina. Ela parou, olhou para mim e disse:
“Nossa, como você é um rapaz bonito, grande e forte! E esta mochila nas suas
costas, mostra que você é um bom menino, intelectual”. Até aí, tudo bem. Um
elogio vindo de uma mulher é sempre bem vindo, exceto quando vem de uma menina
aparentando uns setenta anos. Esta é a minha triste situação. Não sei se é para
rir ou chorar. E o pior é que me senti lisonjeado e com o ego massageado, após
o elogio daquela pobre e doce anciã. Porém, estou decidido a mudar este panorama ainda este ano. Primeiro, vou resolver a minha situação com Tábata e dependendo da resposta, decido o que
fazer da minha vida.
- Assim é que se fala, Jéfrey. Então
hoje será o grande dia em que saberemos se você irá receber o sim da alegria, o
não da tristeza ou o talvez da dúvida.
- É verdade.
Então, a noite chegou. Jéfrey criou
coragem e falou para Tábata tudo o que vinha de suas entranhas. Somente uma
semana depois ele reaparece. Então eu o indaguei:
- E aí, grande homem? Tá namorando
aquele filé?
- To sim.
- Eu não te falei, que era só se
abrir para ela e convidá-la para outro lugar que não fosse o cinema?
Opa, senhor! Negativo. Não estou namorando
Tábata e sim a vó dela. Lembra que te falei de uma pessoa que havia me elogiado
outro dia? Então. Temos que gostar de quem gosta da gente e essa coisa de diferença
de idade, para quem ama de verdade, o importante é ser feliz.
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