CONTO NO BLOG: O País das maravilhas



A vida é um sistema complexo, dividido em fases bem distintas. Digamos que ao longo de toda a trajetória, o homem morre e renasce algumas vezes, de acordo com o período relacionado à sua faixa etária. Ao abandonar as fraldas, morre o bebê totalmente dependente, ao dominar as primeiras palavras na escola, renasce. Ao desprezar a mão da mãe quando atravessa a rua, sai de cena a criança frágil e dá lugar ao adolescente com as suas curiosidades.
- Você tem que aprender a me respeitar, menina. Eu sou a sua mãe, queira você ou não. Dediquei parte da minha vida para te criar, foram muitas noites sem dormir, muitas fraldas trocadas. Eu te ensinei as primeiras palavras, segurei a sua mão nos primeiros passos, enfim, fiz muito bem o papel de boa mãe: atenciosa, carinhosa e o que é mais importante é que nunca levantei a mão para bater em você, Alice. Não consigo enxergar onde foi que errei, ou qual foi o motivo para você ser tão rebelde, não me obedece, só quer saber de festas e amizades com esses seus amigos vagabundos.
- Terminou, mãe?
- Ainda não, aonde você pensa que vai?
- Tchau, mãe, te amo.
- Ah, tá bom. Desde que o seu pai nos deixou que você me despreza e ignora.
- Mãe, não estou a fim, tchau.
Alana estava muito chateada com sua filha, pois trabalhava, cuidava da casa, cumpria toda uma rotina desgastante, enquanto que Alice vivia num país de maravilhas.
-Alô, amor? Tudo bem? Eu não estou tão bem quanto você, porque a mãe anda meio perturbada, pegando no meu pé o tempo todo. Se quero passar uma semana sem ir à escola, não pode. Se quero dormir por volta das três da madrugada, acessando a internet, negativo. Se quero fazer tatuagem e colocar piercing no nariz, na língua e na sobrancelha, não deixa. Se peço para fazer festinhas com nossos amigos em casa, sábado à noite, nem pensar. E nem cerveja ela quer que eu tome e muito menos um cigarrinho de vez em quando. Isso é vida?
- Calma, minha linda. Um dia isso vai acabar, confie em mim.
- O que você pretende fazer, Régis?
- Nada demais, sua bobinha. Depois a gente se fala. Beijos.
Mais tarde, Alana chega em casa após mais um dia de trabalho e telefona para o ex-marido:
- Oi, sou eu. Você falou com a Alice?
- Não, Lana, mas vou ligar pra ela.
- Então tudo bem. Você sabe que ela só dá ouvidos a você, Sérgio.
- Certo, pode deixar comigo. Falarei com aquela menina levada da breca. Mas, mudando de assunto, quando poderemos nos ver de novo?
- Serginho, Serginho, não quero mais deixar você brincar comigo. Se você quiser largar daquela paquita erótica e voltar para casa, a gente conversa, enquanto isso liga para nossa filha e manda ela criar juízo. Um abraço.
- Só um abraço?
- Tchau, Sérgio.
Ao entrar no seu quarto, Alana se surpreende com a cena que vê.
- O que significa isto? Na minha cama? Que falta de respeito! Espero que você tenha uma explicação convincente, seu cachorro malvado. Eu já te disse pra não dormir na minha cama. Passa para sua casinha.
- Oi mãe!
- Oi filha
- O pai ligou pra mim ainda há pouco, você tem alguma coisa a ver com isto?
  - Não, o que ele falou?
- Nada demais, deixa pra lá. Olha só, mãe, o meu namorado vem jantar com a gente hoje, Prepare alguma coisa bem gostosa, vou tomar banho e me perfumar para o meu príncipe encantado.
- Casa, minha filhinha, pra você ver o que é bom pra tosse. Vai passar a sentir os odores da vida real. Namoro é época de ilusão e falsidade. Só se conhece a pessoa depois que casa, mas o que acontece é que às vezes já é tarde demais para voltar atrás. E quando se tem filhos, a coisa complica ainda mais.
Chega a grande hora do jantar. O futuro genro já havia vindo outras vezes, mas Alana não se agradava muito do rapaz. Era um típico playboy, filhinho de papai, sem responsabilidades com a vida. A filha só tinha dezessete anos, idade com a qual a mãe casara, o que derrubava qualquer tentativa de argumentar à jovem, que ainda era muito cedo para assumir um compromisso sério. Eles sentam à mesa e durante o jantar o silêncio fala alto e diz tudo. Apenas troca de olhares, que por si só já são uma avalanche lexical. Pouco tempo depois, os três se levantam, está encerrada a cerimônia do jantar em quase família.
- Alice, vou dormir, não demore muito e venha se deitar. Leve o rapaz até o portão e volte.
Já no portão, o casal do século XXI, tentava encenar um namoro da metade do século passado para a plateia composta apensas por um espectador, no camarote da janela de casa.
- Agora, Alice. O momento é esse. Vamos fazer o que precisa ser feito e depois vamos embora.
- Então, se é assim, vamos.
Régis e Alice decidiram que iriam fugir em busca da felicidade. Ele, com o carro do pai e algum dinheiro, partiria com a sua amada pela longa estrada da vida. Alice pega suas malas feitas na noite anterior e deixa um bilhete no quarto da mãe. Põe o boné, um casaco e sai, pronta para a maior aventura da sua vida.
- Vamos, querida.
-Demorou. Dispara aí, pisa fundo. Vamos viver nossas vidas, sem ninguém para se intrometer. Como você fez para pegar o carro do seu pai, sem ele perceber?
-Sou bom no que faço meu bem. Só que minha habilitação está suspensa e temos que pegar um dinheiro ali antes de irmos.
-Vamos começar uma vida nova, teremos nossa casinha e viveremos felizes para sempre.
Minuto mais tarde...
Droga!Tem uma viatura mandando a gente encostar. Se eu parar estou ferrado.
-Então não para...
Um disparo é ouvido. O carro em que viajava o casal sai da estrada e bate numa árvore. Um policial desce da viatura. Ele estava à procura de dois assaltantes que tinham sido vistos em um veículo de iguais características. O policial então, abre a porta do carro tombado e vê o motorista morto e a acompanhante assustada, mas sem ferimentos. Ao colocar a lanterna no rosto da jovem ele escuta uma voz trêmula:
-Pai? Por que o senhor fez isso?
-Sou eu quem te pergunta, filha. Você não estava neste carro,ok? Vamos para casa. Sua mãe te espera.Nós te amamos.Foi melhor assim.

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